quinta-feira, 12 de junho de 2008

quarta-feira, 11 de junho de 2008

O Ventre

Ao Mr. Brightside:

Vives sob o pó que o desgaste de viver produz. Esse irritante pó, ver não deixa. Esse sufocante pó, respirar não deixa. Pó acumulado com o passar dos festejos de mais um aniversário, pobres aniversários... O pai, a mãe e a próxima família, mais próxima do que outras famílias, numa triste noite, no final de mais um triste dia de trabalho como que por uma obrigação mais fúnebra do que festiva, os "parabéns" cantam e os desejos exprimem. Gesto fúnebro. Felicidade passada, tristeza e morte no horizonte. Felizes eram quando não pensavas. Feliz eras quando para ti o mundo simples era de tanta complicação. Quando te deitavas, e a única certeza que existia era que o nada realmente existia. Jamais.
Jamais hoje será assim. A leveza e certeza do nada, hoje são espinhos naquela rosa a que só chegarás quando suas pétalas, cheiro e frescura queimadas estiverem pelas lágrimas de outros tantos como tu. A vida, essa ordinária, é para ser vivida morta! A agucidade e a dureza desses espinhos devem ser sentidas na nudez.
Assim viverás, pelo menos enquanto te sujeitares a esse irrespirável bafo que te oprime, e que a cada noite, a cada morte renascer te faz. Eu não acredito. Eu não vivo, Morro. Mas não sofro! Para mim tudo está muito claro, dualidades como a que vives para mim são impensáveis. A felicidade jamais será atingivel. A felicidade morreu no dia em que cresci. Morreu no dia em que a minha mãe me olhou, e por dentro chorou ao constatar que eu não era mais aquele menino de colo que ela amou e que por ele seu ventre vazou.

terça-feira, 1 de abril de 2008

Boa Noite

"(...) na realidade, mente e corpo são uma e a mesma coisa que se concebe, num caso, sob o atributo do pensamento, e, noutro caso, sob o atributo da extensão."
Espinosa

Estado de Espírito

Nesta altura em que escrevo neste humilde estabelecimento o meu eu físico encontra-se já à demasiadas horas sobre o extasiante manto da luz solar, neste momento, presente apenas num pedaço de nada, que sonhos conduz e cuja insignificância atinge o seu tamanho, produto da distância ao topo dos nossos mundos, mas eu, Scott Berg, acabo de acordar! Começo-me a compreender... Funciono à imagem de toda a natureza. A Morte é o bem que tudo o resto cria. Quanto mais morto, mais fundo está o meu eu físico, mais eu brilho, mais a luz enaltece o meu ser.
Scott Berg não acredita. O meu outro acredita que não acredita.



Neste momento já não vivo refém da inexplicável necessidade de tudo materializar. O dia está no seu fim, o meu eu está quase morto, para minha verdadeira felicidade.

segunda-feira, 31 de março de 2008

Março, o Fim




Travis - Why Does It Always Rain On Me

domingo, 30 de março de 2008

Café Cheio

Para saborear, neste fim de fim de semana, sirvo um conto de um dos autores preferidos da gerência, Franz Kafka.

O Abutre
"Era um abutre que me dava grandes bicadas nos pés. Tinha já dilacerado sapatos e meias e penetrava-me a carne. De vez em quando, inquieto, esvoaçava à minha volta e depois regressava à faina. Passava por ali um senhor que observou a cena por momentos e me perguntou depois, como podia eu suportar o abutre. — É que estou sem defesa – respondi. — Ele veio e atacou-me. Claro que tentei lutar, estrangulá-lo mesmo, mas é muito forte, um bicho destes! Ia até saltar-me à cara, por isso preferi sacrificar os pés. Como vê, estão quase despedaçados. — Mas deixar-se torturar dessa maneira! – disse o senhor. — Basta um tiro e pronto! — Acha que sim? – disse eu. — Quer o senhor disparar o tiro? — Certamente – disse o senhor. — É só ir a casa buscar a espingarda. Consegue aguentar meia hora? — Não lhe sei dizer – respondi. Mas sentindo uma dor pavorosa, acrescentei: — De qualquer modo, vá, peço-lhe. — Bem – disse o senhor. — Vou o mais depressa possível. O abutre escutara tranquilamente a conversa, fitando-nos alternadamente. Vi então que ele percebera tudo. Elevou-se com um bater de asas e depois, empinando-se para tomar impulso, como um lançador de dardo, enfiou-me o bico pela boca até ao mais profundo do meu ser. Ao cair senti, com que alívio, que o abutre se engolfava impiedosamente nos abismos infinitos do meu sangue."